PUBLICAÇÕES E NOTICIAS / 6ª Conferência de Lisboa – UM MUNDO DIVIDIDO

6ª Conferência de Lisboa

UM MUNDO DIVIDIDO

A 6ª Conferência de Lisboa decorreu nos dias 10 e 11 de Outubro de 2024, na Fundação Calouste Gulbenkian. Durante dois dias, 30 oradores nacionais e internacionais debateram as perspetivas e desafios do nosso Mundo Dividido. O conteúdo desta publicação corresponde a um resumo das intervenções e debates realizados, que abordou temas preponderantes da conjuntura internacional, como as várias dimensões da guerra e da geopolítica mundial, os grandes desafios dos minerais críticos e da transição energética, a evolução dos nacionalismos e processos de globalização, a inovação tecnológica, o futuro do emprego e as desigualdades. A Conferência não só refletiu sobre os desafios existentes, como também analisou as perspetivas futuras e as possíveis respostas às tendências atuais.

ABERTURA

Guilherme de Oliveira Martins, Administrador Executivo da Fundação Calouste Gulbenkian, Francisco Seixas da Costa, Presidente do Clube de Lisboa e Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa, alertaram para o cenário internacional de evidente competição por influência, poder e recursos entre potências, bem como de questionamento do multilateralismo e do papel das instituições de regulação internacional. A atual divisão do mundo manifesta-se na retórica belicista e no uso da força militar (incluindo a possibilidade de proliferação nuclear, num mundo que tinha um compromisso com a desnuclearização), no desconforto com as regras estabelecidas e na relativização do papel das Nações Unidas, na rutura sobre valores e princípios anteriormente assumidos como partilhados, ou na impunidade e desrespeito pelo direito internacional humanitário.

PAINEL 1: A GUERRA COMO PROLONGAMENTO DA GEOPOLÍTICA

A prossecução da guerra é hoje muito diferente devido à digitalização e mediatização, sendo marcada pela progressiva ausência de fronteiras no que respeita a fluxos de informação, às trocas económicas, ao espaço sideral e ao ciberespaço, à dimensão financeira e dos mercados, entre outras vertentes. A dimensão política não tem recorrido à cooperação internacional com tanto ênfase e eficácia como anteriormente, preferindo outras vias para realização dos seus objetivos. Verificou-se uma transição de divisões marcadamente ideológicas para uma fase de predomínio do pragmatismo político e económico, em que os atores internacionais se posicionam para controlar o poder, obter vantagens económicas e outras. Além disso, existe uma crise no âmbito da construção e manutenção da Paz. Não só o número de conflitos é maior, como são mais prolongados, gerando crises humanitárias alargadas.

PAINEL 2: A GEOPOLÍTICA DOS MINERAIS CRÍTICOS E DA TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

Só agora estamos a despertar para os custos humanos, sociais e até ambientais que a transição energética implica. Muitos dos produtos que utilizamos diariamente, nomeadamente tecnológicos como telemóveis e computadores, implicam a extração e processamento de matérias-primas estratégicas, incluindo as chamadas “terras raras”, e estamos ainda muito alheados dos fatores geopolíticos relacionados e da disputa global pelo controlo desse tipo de recursos. A China soube tornar-se indispensável nas cadeias de valor e de abastecimento de materiais críticos a nível global, o que tem implicações na dependência e segurança económica de vários países, nomeadamente na região da Ásia-Pacífico. A Europa não tem ainda uma estratégia industrial clara que lhe permita apostar de forma coerente, e na escala necessária, na inovação e nas tecnologias em que ainda pode assumir uma posição de liderança, tendo perdido oportunidades em vários campos.

TALK 1: O JORNALISMO EM TEMPO DE GUERRA

Nesta conversa, partilharam-se as perspetivas e experiências em zonas de conflito, abordando os desafios éticos, logísticos e emocionais do jornalismo de guerra. A reflexão assentou numa vivência acumulada em cenários tão distintos como os Balcãs, a Síria, o Médio Oriente, Moçambique ou a Ucrânia, com enfoque nas dificuldades de aceder a informação isenta e verdadeira em contextos marcados por propaganda, desinformação e limitações impostas pelas partes envolvidas nos conflitos.

PAINEL 3: NACIONALISMOS, IDENTIDADES E GLOBALIZAÇÃO

O nacionalismo, sendo uma construção social e política, sempre esteve ligado a guerras em todos os continentes, incluindo na Europa. A relação entre nacionalismos, identidades e geopolítica é complexa, e assume contornos diversos segundo os contextos históricos e geográficos, como as histórias de África e da América Latina bem demonstram. A imigração é um dos elementos que tem sido utlizado como arma pelo populismo e por algumas formas de nacionalismo. Existem muitos mitos e desinformação sobre esta questão, que vingam, mesmo quando os factos os contradizem.  Na verdade, as identidades são formadas de forma muito fácil e relativamente rápida, mudando também ao longo do tempo, o que significa que não são tão enraizadas e rígidas como alguns pretendem fazer crer. As identidades podem ser usadas de forma positiva e constituir uma força para a mudança.

PAINEL 4: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA, FUTURO DO EMPREGO E DESIGUALDADES

A reformulação do poder económico global, com o centro a transitar para a Ásia Pacífico, tem influenciado as tendências no âmbito da desigualdade de rendimentos, particularmente nos últimos 15 anos. Os países ocidentais já não estão sozinhos na parcela dos 20% mais beneficiados na distribuição de rendimentos a nível global e a estagnação da renda das classes médias no Ocidente tem sido uma fonte de descontentamento social e de aumento do populismo.

O potencial da IA na transformação das sociedades é enorme. Parece inevitável que setores da população sejam “deixados para trás”, o que significa aumentar desigualdades, nomeadamente económicas (uma vez que o rendimento será um fator importante para ter acesso a tecnologias de IA, na saúde, na educação, nos serviços públicos, etc.) e também geracionais. Devemos questionar para que finalidades queremos a IA e como a podemos utilizar da forma mais adequada, para gerar benefícios alargados para as sociedades. Não existindo regras globais de regulação nesta área, os modelos escolhidos são, por exemplo, diferentes nos EUA e na Europa.

TALK 2: A ÓPERA COMO PALCO DE CRISES E JOGOS DE PODER

Nesta sessão, explorou-se a ópera como reflexo dos conflitos sociais, políticos e emocionais que marcam a história da humanidade. Com recurso a exemplos históricos, análise musical e interpretações ao vivo de árias de compositores como Monteverdi, Mozart, Verdi, Puccini e Haendel, a conversa demonstrou como esta forma artística traduz, nas suas narrativas e harmonias, as tensões e aspirações de cada época.

ENCERRAMENTO

Carlos Moedas, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, reconheceu que há razões para estarmos mais pessimistas ao olhar para o mundo, entre as quais as guerras em curso, o crescimento das divisões globais e da polarização das sociedades, e os perigos para a democracia e para os valores fundamentais da liberdade de expressão, da liberdade religiosa, ou simplesmente da liberdade de pensar diferente, que fazem parte da identidade europeia. Para que seja um ator político global, é preciso que a Europa volte a olhar para a sua industrialização, invista num mercado único de energia e aposte na sua segurança. O desafio tecnológico, com a IA e a computação quântica, tem grande potencial e constitui uma oportunidade única, principalmente para os jovens. Debater ideias e pensar no nosso futuro é mais importante do que nunca, sendo as Conferências de Lisboa um espaço de grande relevância para a nossa cidade e fundamental para perspetivar as respostas aos atuais desafios.

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